Quem são os Fariseus?
Ainda existem nos dias de hoje?
Entre aqueles que conhecem minimamente os evangelhos, ser chamado de “fariseu” é uma das maiores acusações que se pode fazer ao caráter de uma pessoa. Estive pensando esses dias na razão disso. E fiquei perplexo ao descobrir que ser fariseu não é apenas ser hipócrita. Este, sem dúvida era o desvio que mais se acentuava naquele grupo religioso, mas era só o começo.
Estou convencido de que não é à toa que eles são personagens que, embora nefastos, pegajosos, asquerosos, ocupam grande parte da narrativa dos evangelhos. É difícil virar uma página de Mateus ou Lucas sem topar com um deles. Do ministério de João Batista até à crucificação, lá estão eles! São como erva ruim, que geada não mata. Ora, se o Espírito Santo deu tanto espaço para enfocá-los, é porque temos alguma coisa para aprender, precisamos tirar alguma lição. As características de fariseu analisadas neste estudo não são, portanto, fruto de mera implicância. O próprio Senhor Jesus foi quem apontou a maior parte delas. E ele não se enganava, nem mesmo com palavras. Assim, embora não seja tarefa das mais agradáveis, será útil para nossas vidas fazer uma breve análise sobre eles. Vamos descobrir uma obscura antítese de espiritualidade verdadeira.
Antes que comece a fazer um exercício de imaginação para descobrir “sobre quem o Marcos tá falando”, sugiro-lhe cautela. É bem verdade que os fariseus ainda existem e estão por toda a parte. Talvez os encontre no presbitério da sua igreja. Talvez no diaconato. Muitos estão ocupando púlpitos, envolvidos no que chamam de “a igreja que agrada a Deus”. Às vezes estarão no coral ou no conjunto da mocidade. Talvez estejam na sua casa “ou na sua parentela”. Quiçá algum deles (delas) até durma na sua cama. (Eu disse TALVEZ, TALVEZ. Se não encontrar ótimo. Nem todo presbítero ou diácono ou pregador é fariseu, tá claro??) Mas tome ainda mais cuidado: talvez o encontre no espelho do banheiro quando for escovar os dentes de manhã. Por isso, ao invés de tentar imaginar quem são, olhe bem para ver se não anda agindo como um deles. E esta análise vale para todos, do goleiro ao ponta-esquerda, inclusive para “este que vos fala”
Primeira lição “anti-fariseu”? Antes de pensar nos erros dos outros, pense nos seus próprios. Antes de desconfiar dos motivos dos outros, analise os seus próprios. Antes de acusar os outros, examine sua própria consciência. Difícil? Pois é, esta é a segunda lição: ser fariseu é a coisa mais natural possível, não é algo que requer muito esforço. É só deixar o barco correr. Ser como Cristo exige muito mais.
1. Gostavam muito das aparências (Mt 23:5-7; 25-28)
Para eles, o que importava era a imagem. O que o povo vai dizer. Como eu posso ganhar a simpatia e o respeito de todos através do que eles podem ver em mim. Jesus disse que eles faziam coisas boas “apenas para serem vistos pelos homens”. Esbanjavam conhecimento das Escrituras, até andavam com elas atadas ao pescoço. Faziam longas orações, com termos rebuscados e adjetivos complicados para chamar Deus. Davam esmolas, desde que os holofotes e câmaras estivessem ligados. Foram os pioneiros do “marketing” religioso. Não importa o que és. Noutras palavras, aquilo que consiga fazer as pessoas pensar que és assim.
Isto fez com que as atitudes mais sublimes se transformassem, na experiência dos fariseus, nas práticas mais vis. Por exemplo, é ótimo orar bastante. Mas fazer uma longa oração na praça (ou na igreja), com voz impostada, olhos semi-cerrados, palavreado bonito, só para que os outros sussurrem “Puxa, como ele ora bonito”, é outra história. Conhecer a Bíblia e manter contato constante com ela é fantástico. Mas “alargar os filactérios”, isto é, esticar bem as caixinhas de pergaminhos com porções da lei de Moisés (ou carregar uma bela Bíblia de couro debaixo do braço) para que as pessoas sussurrem “Veja como ele ama a Palavra de Deus”, é outra história. Este é um sentimento perigosíssimo. Se viver um único dia das aparências, tu te tornarás refém delas. Nunca mais conseguirá ser autêntico. Porque a vergonha de voltar atrás e reconhecer que aquele “personagem” que caricaturaste de ti mesmo não corresponde à realidade será tão grande, que cada dia mais tentará preservar o mito em detrimento da verdade a seu respeito.
Não adianta, por exemplo, passar a idéia de que tem uma família unida, fazendo grandes ceias de Natal, se metade dos que sentam à mesa não se fala. Qual o sentido de celebrar a Ceia dominicalmente, esta que é uma extraordinária expressão de comunhão, se pelos corredores do templo as pessoas se pisam e se evitam? Será só para manter as aparências? Da mesma forma que à sua época os fariseus procuravam demonstrar que eram piedosos através dos seus “ícones” de espiritualidade, temos os nossos modos de fazer a mesma coisa.
É por isso que até hoje ainda tem gente que, por exemplo, acha que o terno do pregador é mais importante do que a sua vida. Pode falar a besteira que quiser, desde que esteja com a aparência “certa”. Uma vez ouvi alguém dizendo que “se uma pessoa fala uma bobagem de terno, dá mais credibilidade”. É claro, tive que segurar para não rir. Essa foi ótima! Bobagem com credibilidade. Mais farisaico, impossível.
Se conhecessem mesmo o Velho Testamento, os fariseus conheceriam o que Deus disse através de Samuel: “Deus não vê como vê o homem; o homem vê o exterior (a aparência), o Senhor vê o coração”. Portanto, ao invés de olhar a vida com os olhos de um fariseu, olhemos com os olhos de Deus. Pode aparentar ser o que não é diante de qualquer pessoa, menos dEle.
Esse era o embrião da sua hipocrisia. Sua noção de espiritualidade era mais ou menos como a do confeiteiro que faz uma torta de jiló, e depois a recobre com morangos e chantilly. Por fora, maravilhoso. Por dentro, intragável!
2. Gostavam muito das suas tradições (Mt 15:1-9; Mc 7:1-13)
Os rabinos haviam criado uma série de interpretações particulares da lei, que ao longo do tempo passaram a ter valor igual e até superior ao da própria Escritura. Quando essa tradição era obedecida, o homem era valorizado. Esse era “dos bons”. Esse tinha “dutrina”. Muitas vezes suas tradições nada mais eram do que um “jeitinho” para atropelar os conceitos básicos de uma lei, como neste exemplo que o Senhor cita a respeito de ajudar e honrar os pais. Note: o problema deles não é que eles fossem “tradicionais”, porque ser tradicional nada mais é do que repetir um modelo, seja ele qual for. A questão era o tipo de tradição que eles queriam manter. Grande parte delas não tinha qualquer respaldo da lei. Era pura invencionice. Era chifre na cabeça de cavalo, era pêlo em ovo. Eles mesmos criavam certas coisas para mostrar o quanto eles eram rigorosos, ortodoxos, sérios ou espirituais. Mas Jesus mostrou que isso nada tinha a ver com espiritualidade. Pelo contrário, era uma rejeição aberta da própria lei. Eles invalidavam o mandamento e então catapultavam suas próprias idéias ao nível de Escritura.
Estamos nós livres de tal atitude? Permita-me um comentário. Peço-lhe que o leia com atenção, acompanhando a lógica do raciocínio. É sabido que os católicos tem suas tradições anti-bíblicas. Isto envolve desde interpretações inconsistentes de textos bíblicos (como a teoria da transubstanciação) até aberrações como a ascensão de Maria (algo absolutamente apócrifo e desprovido de valor bíblico ou teológico). E então, o que fizeram? Como não podiam sustentar essas tradições biblicamente, simplesmente assumiram que a igreja católica tinha o direito de elevar ambas, a Bíblia e a tradição, ao mesmo pé de igualdade. Pronto! Tá resolvido. Agora, se a Bíblia não diz, a tradição diz. E ambas tem o mesmo valor. Errado? Claro que sim. Nem se discute. A Bíblia é a verdade absoluta, e se não está lá, não aceitamos. Este foi o brado da Reforma Protestante: SOLA SCRIPTURA! Somente a Escritura!
Acontece que as igrejas evangélicas (entre elas o chamado “movimento dos irmãos”) também tem grande parte de suas ações pautadas em tradições que, para sermos honestos, não se encontram em lugar algum da Bíblia. Podem não ser tradições ANTI-BÍBLICAS, como as católicas e nem tradições envolvendo questões fundamentais da fé. Mas são tradições e são A-BÍBLICAS, isto é, não se encontram na Bíblia. Até aí não haveria grandes problemas, se tais tradições não fossem usadas como aferidor da espiritualidade alheia, bem ao estilo dos fariseus. Então, criticamos os outros grupos que tem práticas que a Bíblia não contempla, mas agimos semelhantemente em outras coisas. É mais ou menos isso: “Regra No 1: Ninguém pode manter uma prática se não estiver na Bíblia. Regra No 2: A Regra 1 não se aplica a nós, só aos outros”
Exemplifico: quem nunca ouviu coisas do tipo “nossa igreja é melhor porque celebra a Ceia dessa forma ou daquela”; “nossa igreja é melhor porque canta esse ou aquele tipo de música”; “nossa igreja é melhor porque bate palma ou não bate”; “nossa igreja é melhor porque os missionários são sustentados assim ou assado”; “crente bom é aquele que anda de terno e gravata”? São gostos pessoais transformados em lei, em estatuto, que ao longo do tempo passam a valer mais do que a própria Palavra de Deus. Discute-se a forma das coisas, mas não a sua essência. E enquanto essas discussões tomam conta da arena, invalidamos a ordem de Deus para que sejamos uma igreja que faça diferença, que seja sal num mundo em decomposição e luz numa sociedade em trevas.
Como já foi exposto, nem toda a tradição é necessariamente ruim. Nem tudo o que é antigo precisa ser descartado. Não é aí que está o problema. A questão é fazer das nossas preferências uma tradição e delas uma regra irrevogável e ainda por cima considerá-las melhores do que a dos outros.
É preciso questionar sempre o que estamos seguindo de fato. Ao invés de ficar o tempo tentando “manter um padrão” supostamente bíblico, o que convém a esta geração é aprender a separar o que é a TRADIÇÃO DOS FARISEUS e o que é O MANDAMENTO DE DEUS. Por este, vale a pena viver e morrer. Por aquela, não vale a pena nem gastar muita saliva.
3. Gostavam de dizer o que lhes vinha à boca, mas ofendiam-se facilmente ao ouvir o que não lhes agradava (Mt 15:12-14)
Eu nunca vi um fariseu original. Mas fico imaginando como ele era. Nariz empinado, olhos bem abertos, cabeça girando feito telescópio da Nasa para ver se achava algum defeito em alguém. E quando achava, ou pensava ter achado, partia para cima, como diz o caipira, “com três quentes e dois fervendo”. Não tinha meias-palavras. Vinha com tudo. Fazia acusações pesadas, julgava precipitadamente, usava palavras ferinas, ameaçava, agredia. Até que alguém lhe dava uma boa resposta. Aí se dizia ofendido, coitadinho. “Estão escandalizados”, foi a notícia que chegou a Jesus depois que ele havia resistido à intolerância e intransigência de um grupo entre eles.
Em outra ocasião, quando Jesus curou o cego de nascença, os fariseus o chamaram e interrogaram sobre quem o tinha curado. Depois de dizer claramente que tinha sido alguém Divino que efetuara a cura, não tendo argumento, apelaram: “Tu és nascido todo em pecado, e nos ensinas a nós? E o expulsaram” (Jo 9:34). Era assim. Enquanto o que alguém dizia lhes interessava, eles ouviam. Se alguém falasse contra eles, ofendiam-se e apelavam.
Até hoje, tem muita gente que acha que tem salvo-conduto para dizer o que bem entende. Estão acima do bem e do mal. E se alguém ousar retrucá-los ou contradizê-los, dizem-se ofendidos. “Sentam a pua” com toda a violência. Adjetivam sem piedade os que fazem qualquer coisa que não gostem. Mas se recebem uma resposta ou uma crítica, porém, (e é preciso coragem para fazer isso contra os poderosos fariseus, em qualquer época) posam de coitadinhos. São os guardiões da fé sofrendo pelo evangelho. São os mais velhos sendo desrespeitados pelos jovens rebeldes e orgulhosos de hoje.
É sintomático que quem se sente mais facilmente ofendido com uma palavra, especialmente se a palavra vem mesmo de Deus, são aqueles que tem maior pré-disposição para ofender.
A velha fórmula do “fulano está muito ofendido com o que se pregou domingo” tem sua origem no tempo dos evangelhos. Foi criada pelos fariseus.
4. Gostavam muito da letra, mas raramente entendiam o espírito da lei (Mt 12:1-8; Mc 2:23-28)
O sábado. Ah! O sábado. Intocável. Venerado. Guardado. Nada de trabalho. Nada de movimento. Nada de nada. Nem mesmo de fazer o bem. “Não é lícito curar no sábado”. Se quiser fazer alguma coisa boa, volte amanhã. Hoje, não. E abriam a Escritura para esfregar-lhe no rosto. “Olhe aqui, não sabe o que está escrito na lei?”
De fato, a guarda do sábado era uma ordem divina. Há um simbolismo maravilhoso em torno disso, que não vem ao caso agora, mas que fala, entre outras coisas, do descanso que temos em Cristo, o Senhor do sábado. O problema não estava na lei. Estava em quem interpretava a lei ao seu alvedrio, conforme suas conveniências pessoais. “Se uma simples ovelha de um de vóss cair numa cova, não vão fazer todo o esforço para tirá-la de lá, mesmo que for sábado?” Aí a lei não vale mais? Ou será que para vida e o bem-estar de um ser humano vale menos do que uma ovelha gorda, só porque ela lhes dará muito lucro em poucos dias? Acontece que os fariseus sabiam a letra, mas nunca aprenderam a música. “O sábado foi feito por causa do homem, e não o contrário”, disse-lhes Jesus.
Este é problema do legalista. Ele gaba-se em dizer “Está escrito assim e assim”, mas quase nunca compreende o que realmente quer dizer o “assim e assim”. Cansei de ver gente com a Bíblia aberta (alguns até de cabeça para baixo…) para tentar argumentar em defesa de seus pensamentos particulares. Só que não é suficiente conhecer a letra sem levar em conta o espírito. Vira farisaísmo. Quase sempre a conclusão será incoerente com a própria prática de quem está intransigente. Curar no sábado não pode. Pegar uma ovelha que caiu no buraco, pode. Cadê a coerência?
Como é notável a maneira diferente de Cristo usar as Escrituras! Ele não apenas a conhecia mas, acima de tudo, sabia usá-la com eficiência. Na sua tentação ele usou brilhantemente o “está escrito”, debelando o foco de tentação que o ameaçava. Contra os próprios fariseus usou a lei de forma correta mais de uma vez, desmascarando-lhes a ignorância. Jesus Cristo, que veio para cumprir a lei e era maior do que ela, o fez sem jamais ter-se tornado legalista.
Na verdade, o legalismo do fariseu era uma forma de disfarçar, de dissimular seu verdadeiro intento: fazer oposição burra ao trabalho do Mestre. Era só uma desculpa para tentar evitar que Jesus ao realizar o milagre da cura glorificasse a Deus e a si mesmo. Se ele fizesse isso (como de fato acabou fazendo), eles ficariam outra vez envergonhados, já que sua acusação mais comum era que Jesus não era o Messias.
O legalismo é cego. Não compreende as entre-linhas de Deus. Não tem sensibilidade para fazer o que é bom, a qualquer tempo. Preocupa-se mais com o cerimonial do que com o espiritual. Está mais para intérprete da lei e levita do que para “bom samaritano”. Os primeiros sabem tudo sobre o “próximo”. O último podia não saber quase nada, mas soube o que era o “amor ao próximo”.
Seria ótimo que de vez em quando perguntássemos a quem ensina a Bíblia o que Felipe perguntou ao eunuco: “Entendes o que lês?”
5. Gostavam muito de perguntas difíceis, mas não estavam interessados em aprender coisa alguma (Mt 22:15-22; 34-40; Mc 10:2)
Volta e meia encontrará os fariseus em reunião. Gostavam delas. Suas reuniões tinham como objetivo a formulação de perguntas bonitas, profundas, intrigantes. Mas sempre perguntas com segundas e terceiras intenções. Perguntas capciosas, provocativas, desafiadoras. Eles não queriam saber, não estavam preocupados em aprender. Aliás, o que se pode ensinar a um fariseu? Eles já sabem tudo!
Algumas ocasiões, as perguntas dos fariseus geraram dúvidas nas mentes dos discípulos também. Mas é notável a diferença como Jesus respondia a uns e a outros. A razão não é que Jesus já estava com a paciência esgotada ou com os nervos à flor da pele e dava logo uma resposta atravessada para cortar a conversa. Isso não acontecia com ele. Ele não precisava disso. Provou quem era e qual a sua sabedoria em cada resposta que deu. Mas ele sabia muito bem qual a intenção daqueles homens. Sabia onde queriam chegar e não perdeu tempo com eles além do necessário para ensinar, não a eles, mas aos outros que estavam por perto, alguma lição que valesse a pena levar para casa. O objetivo dos fariseus era criar polêmica para atrapalhar o ambiente. O de Cristo era ensinar para edificar vidas.
Nada contra uma mente questionadora. Nem sempre questionar é ser rebelde. Quem pergunta com sinceridade, querendo mesmo aprender, só tem a ganhar com isso. Mas não tem valor algum a pergunta conturbadora, que não acrescenta nada. Essa é descartável. Paulo, por exemplo, podia passar horas ensinando uma igreja, mas mandou Timóteo não perder tempo com “discussões insensatas, que para nada aproveitam, senão para a subversão dos ouvintes”.
Lembro-me de ter lido em algum lugar que o desenvolvimento humano atravessa, em geral, três fases: na primeira, aprendemos a fazer perguntas; na segunda, aprendemos as respostas a essas perguntas; na terceira, a fase da maturidade, aprendemos quais perguntas valem a pena serem feitas. Parece que os fariseus nunca chegaram a esse ponto.
6. Gostavam de dizer o que fazer, mas nunca faziam o que diziam (Mt 23:3)
O discurso dos fariseus sempre foi muito bem elaborado. Palavras certas, entonação, demonstração técnica de saber textual. Pregação bonita, de encher os olhos e os ouvidos. Suas aplicações dos textos difíceis da lei eram bastante complicadas. Sua exigência de consagração e dedicação à lei era bastante elevada. Moralistas, pregadores da santificação, da purificação cerimonial, defensores da identidade judaica como nação e como religião, exclusivistas extremados e radicais, sabiam tudo o que o povo devia fazer. Qual deveria ser sua ética, qual a melhor teologia, qual a melhor interpretação. Chegavam ao exagero de exigir coisas que nem mesmo Deus tinha exigido, só para mostrar como eles eram zelosos.
Mas tinham um pequeno probleminha básico: não faziam nada do que pregavam. A atual máxima (ou seria “mínima”??) “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço” nada mais é do que uma paráfrase desta denúncia do Senhor Jesus à atitude farisaica. Muita retórica, muita teoria, muito “blá-blá-blá”. Mas prática que é bom, zero. Se quisesse andar direito, poderia até ouvir a mensagem dos fariseus, mas se tivesse vergonha na cara, não seguiria o seu exemplo.
Até hoje é assim. Quem mais vocifera contra o que chama de “desvio da verdade” são os que mais à margem dela se encontram. Isso vale mais do que nunca para as igrejas chamadas de “Os Irmãos”. É possível que no mundo evangélico de hoje não exista um grupo que mais caia neste erro do que nós. Enquanto criticamos amargamente os concílios humanos, defendemos nossos próprios modos de intervenção branca através de nossas publicações e cruzadas “anti-tudo”. Exemplos? “Não se pode criar instituições pára-eclesiásticas”, a não ser aquelas que nós mesmo criamos. “Não se pode ter pastor ordenado”, porque segundo o que se ensina (embora isso nem seja mais verdadeiro) um pastor só detém o “controle sobre a igreja”. Mas os que mais gritam contra isso são precisamente os maiores dominadores de rebanho que a história da igreja brasileira já conheceu. Não são raros os casos daqueles que mandam e desmandam não apenas na sua própria igreja, como até em regiões inteiras. “Não pode haver agências missionárias”, porque é para haver independência e responder só ao Senhor, mas volta e meia um obreiro tem suas ofertas cortadas porque não quis seguir a batuta dos mantenedores, o que se constitui no pior e mais vil de todos os cabrestos: o do poder econômico.
Então, façamos o que Cristo mandou fazer com os fariseus. Ouçamos o que eles tem a dizer, mas vivamos ao contrário do que eles vivem. Não os imitemos. Muito da desgraça dos nossos dias reside no fato de que as pessoas têm medo de combater esta hipocrisia. Sob a desculpa do “respeito aos líderes”, escondemos o verdadeiro cerne do problema que sacode esta geração e que custará caríssimo a todos nós: precisamos deixar de ser a igreja que sabe tudo (ou julga que sabe) e passarmos a ser a igreja que faz aquilo que sabe.
Só assim seremos suficientemente autênticos para termos algum dia uma identidade para defender.
7. Julgavam ser os únicos que conheciam o caminho, mas com essa atitude impediam outros de conhecê-lo de fato (Mt 23:13,15)
Tenha em mente que os fariseus eram, obviamente, judeus. Faziam parte do povo escolhido por Deus para ser testemunha dEle entre as nações. Tinham “zelo de Deus, porém sem entendimento”, segundo Paulo escreveu aos Romanos. Tinham certeza de que Jeová era o único Deus, que a aliança era eterna e única, e que só eles tinham o segredo para entrar no Reino. O próprio Paulo, imbuído deste sentimento, sendo “quanto à lei, fariseu” (Fp 3:5), achou que estava prestando um grande serviço à causa do Deus de Israel quando se transformou em “perseguidor da igreja” (Fp 3:6). Na sua mente programada desde pequeno para ser um fariseu, o Evangelho de Jesus Cristo era uma terrível ameaça, uma heresia destruidora da sua religião intocável. Para ele, o farisaísmo era maior e mais importante do que Jesus.
Criam tanto nisso, que começaram a julgar-se os únicos que podiam entrar no Reino. Os outros, os gentios (“as gentes”, “o povão”), não tinham a menor chance. Em todo caso, gostavam de pensar na hipótese de um gentio passar pelos cerimoniais judaicos e tornar-se um “prosélito”. Jesus afirmou que eles “rodeavam a terra” para conseguir isso. Só que o simples fato de eles serem judeus e fariseus não era garantia de que eles tinham um relacionamento correto e verdadeiro com Deus. E por isso, quando outros vinham e tornavam-se prosélitos, acabavam duplamente enganados. Não conseguiam para suas vidas nada mais do que o senso estúpido de espiritualidade legalista, fria e morta dos líderes a quem seguiam.
A acusação que Jesus lhes faz é seríssima. Com essa atitude exclusivista, eles estavam impedindo que pessoas sinceras e interessadas conhecessem o reino dos céus. Tornaram-se pedra de tropeço. Seu “orgulho espiritual” tapava a entrada do céu. As penas de pavão da sua arrogância religiosa estendiam-se até desviar o penitente do verdadeiro caminho. Além disso, “desprezavam os outros” (Lc 18:9) por acharem-se justos.
Não é preciso muito esforço para perceber que este sentimento vil e jactancioso tem corroído a igreja contemporânea. Temos muitos “guardiões da fé”, “defensores da verdade”. Só eles sabem, só eles estão certos. São únicos. Sua igreja é a única verdadeira, sua maneira de trabalhar é a única que Deus aprova. O resto é resto, é apostasia, é desvio, é abandono da fé, é igreja falsa. Faz a gente lembrar os filmes de ficção americanos, em que os Estados Unidos são sempre apresentados como os únicos que poderiam defender o mundo de uma invasão interplanetária. Ouvimos tantas, mas tantas vezes que somos a melhor igreja, a mais neo-testamentária, a mais fiel, a mais missionária, a Filadélfia do plano profético, a menina (exclusiva) dos olhos de Deus, que acabamos acreditando nisso.
Apesar de tanta truculência e vaidade no discurso, porém, os resultados raramente se traduzem em pessoas convertidas e novas igrejas plantadas e crescentes. Somos aproximadamente 1000 assembléias dos “Irmãos” neste país. Imagine (exageradamente) que em média elas tenham 100 membros. Isso dá 100.000 pessoas. Num país de 170 milhões de habitantes, se o Brasil dependesse somente de nós para conhecer a Cristo, estaria roubado! Graças a Deus que não somos os únicos que têm a chave do Reino. Parece que no nosso zelo a gente a escondeu tão bem que nem nós conseguimos mais achá-la.
Gente, não é hora de fazer do nosso modelo ou da nossa identidade o alvo da nossa luta. Enquanto seguirmos por este caminho, vamos impedir muita gente de entrar no Reino. Nossa geração não pode perder tempo com isso. É hora de uma reflexão profunda, de pensamento desarmado, de joelhos grudados no chão e olhos grudados no céu. É hora de mais compaixão por aqueles que querem entrar e a gente não deixa.
Lembre-se de que os fariseus tinham convicção de que eram os únicos que sabiam. Mas eles nem sabiam. E por causa desta convicção falsa, rejeitaram ao Senhor Jesus.
8. Julgavam que Deus tinha um grande livro de “Débito X Crédito” (Mt 23:14)
O fariseu encarava Deus como se ele fosse um grande contador. Duas colunas, débito e crédito, o importante é não ficar no vermelho. Não admira que essa pseudoteologia estivesse presente naquele grupo. Para querer justificar-se diante de Deus por obras, só acreditando ser auto-suficiente. E para isso é preciso ter sido formado no Jardim da Infância da hipocrisia, ter feito o Ensino Fundamental na escola das aparências, Ensino Médio nas tradições humanas, Faculdade de legalismo e Mestrado em exclusivismo. Curso completo para um fariseu autêntico. (Pensando melhor, isso não é possível. Ou é fariseu ou é autêntico. Os dois na mesma frase não combinam…)
Era a filosofia de morder e depois assoprar. Esta foi a antecessora das indulgências, cujo raciocínio era mais ou menos o seguinte: peque à vontade, depois troque por alguma coisinha boa que consiga fazer. Se não conseguir, não tem problema. A gente acerta um preço pelo seu pecado, e traz a grana e fica livre. (Esta bandalheira foi pior que a do Macedo. Na Idade Média, a “igreja” loteou o céu e estava vendendo terreno…)
Como é que isso funciona hoje? Quero chamar a atenção para uma atitude cada vez mais comum de tentar justificar as coisas por compensação. Por exemplo: “Fulano não tem muito compromisso com o serviço de Deus, mas pelo menos dá oferta”. “A igreja tal tem uma base doutrinária meio furada, mas tem uma visão missionária…”. “Ele é meio destemperado, mas sabe pregar muito bem”.
Sabe o que me lembra essa história? De vez em quando o guarda de trânsito pára aqueles carros de “autônomos da construção civil”. Carro com licença vencida, pneu careca, sem freio nem luz de freio, escada caindo do teto do automóvel, pára-choque arrastando pelo chão, sem a mínima condição. Aí eles olham pra cara do guarda e dizem: “Mas, seu guarda, eu tô trabalhando!!!” Ué, e daí? Quer dizer que quem está trabalhando pode andar do jeito que quiser, tá tudo certo? “Os fins justificam os meios”?
Este é o mesmo raciocínio das pessoas que pensam poder salvar-se pelas obras. Deus olha as boas e esquece das más. Precisamos aprender que nem somos salvos por obras, nem vivemos por obras. “O justo viverá pela fé”. Continue fazendo coisas boas. Mas pare de fazer as más, porque as boas não vão “livrar sua cara”. Deus não raciocina desta forma. A idéia de Deus é: “Detestai o mal, apegando-vos ao bem”.
9. Gostavam de fazer questão por coisas mínimas, mas desprezavam as mais importantes (Mt 23:23,24)
A lei de Moisés exigia o dízimo. Os fariseus gostavam de gabar-se de que seguiam isso tão à risca, que nem a hortelã ou o cominho deixavam de dizimar. Eram dizimistas fiéis. Nos mínimos detalhes. Achavam-se melhores do que os outros por causa disso. Mas quanto aos outros preceitos da lei, elencados por Jesus como “os mais importantes”, esses passavam batido. Sim, além do dízimo, havia muitos outros preceitos e conceitos que a lei exigia.
Muito importante esta colocação do Mestre. Existem coisas na Palavra de Deus que são MAIS IMPORTANTES do que outras. Fariseus não conseguem perceber isto. E até invertem o jogo. O que é MENOS IMPORTANTE, para eles passa a ter um valor inestimável. O que realmente importa, fica em segundo plano, se sobrar algum espaço.
Creio que a razão porque há pessoas que agem assim até hoje é óbvia. É muito mais fácil fazer as coisas pequenas da lei. Exige muito menos de comunhão com Deus e de maturidade separar os gramas de cominho e trazer para o sacerdote do que dia a dia descobrir e viver os altos valores e conceitos da piedade, como a “justiça, a misericórdia e o amor”. Não é preciso ter misericórdia para dar o dízimo. Basta obedecer o que está escrito. Agora, quanto aos “preceitos mais importantes”, esses exigem mais de nós. Reconhecê-los e cumpri-los é uma prova de crescimento na vida.
Observe que Jesus não disse que as coisas “menos importantes” deveriam ser desprezadas. Ele não disse que não adiantava nada dar o dízimo da hortelã, mas mostrou que era para “fazer estas coisas” (as menos importantes) “sem omitir aquelas” (as mais importantes). A Lei era um todo. Ninguém podia escolher o que fazer e o que deixar de fazer. Ela exigia obediência irrestrita e inegociável.
A igreja de Jesus Cristo no mundo recebeu dele uma missão. Isto é a coisa mais importante que qualquer igreja no mundo tem para defender e preservar. Esta missão está bem detalhada no Novo Testamento, até (diga-se de passagem) muito mais através de princípios do que de mandamentos específicos. As igrejas que se julgam neotestamentárias precisam entender que o Novo Testamento, como a Lei, é um todo. Não adianta escolher meia dúzia de princípios que as diferenciem das outras e bater no peito jactando-se da sua “fidelidade”. Especialmente quando esses distintivos são exatamente as “coisas menos importantes”.
Por outro lado, no cumprimento eficiente desta missão, não é necessário nem permitido abandonar os “preceitos menos importantes”. Façamos estes sem omitir aqueles. E assim não seremos como os fariseus. Nem precisaremos gritar muito para provar que somos melhores do que ninguém. “O Senhor conhece os que são seus”. Encerramos esta série do que jeito que a começamos. Que Deus nos guarde de todo farisaísmo. Que ele nos dê sua graça para que ao invés de acusarmos, julguemos a nós mesmos. Que ele nos dê coragem para romper, primeiro em nossas vidas e depois em nossas comunidades, com qualquer sentimento que nos assemelhe a isso. Que não seja vão o alerta do Evangelho: “CUIDADO COM OS FARISEUS”. É possível que eles sempre existirão, assim como os escândalos sempre existirão. Mas que não sejamos nós a cumprir esta previsão. Sejamos autênticos e cada dia mais semelhantes a Cristo!